30 junho 2008

Laginha

Esperei-te na Laginha.
Chegarias a qualquer momento.
Ao meu redor, familias completas brincavam na areia.
Meninas atrevidas balançavam os biquinis, assentes em corpos bem desenhados.
Desportistas em exercicios de força exibiam braços musculados... pintados a tatuagens...
Mulheres, dessas de meia idade e espírito independente, mergulhadas nas leituras do momento.
Enquanto as crianças salpicavam o imenso mar salgado de alegria e sorrisos barulhentos.

Em frente, o rosto, esculpido no imenso monte, observava friamente um cenário a que já se habituou.
Eu contemplo uma vez mais esta Laginha onde nos imaginei. Queria que chegasses. Jurei que serias tu ao longe, por entre aquele grupo que se divertia em "jingas" de capoeira.
Acenei... mas não retribuíste. Não eras tu.

Esperei-te até ao entardecer. Virias com o pôr do sol.
Nessa hora mágica que pinta a Laginha das cores de uma obra de arte e nos derrete de emoções...Tu, chegarias ao som da bossa nova, samba-canção, ou de uma morna doce, terna.
Tão terna, como o momento que haveriamos de viver, sentados na areia da Laginha, de olhos postos no mar...

27 junho 2008

De volta aos tambores

Uma viagem de embalo nas ondas.
Vento forte a varrer uma vista que afastava o Mindelo enquanto descobria a imponência das montanhas.
Mar revolto, balançado, ao som de uma música que só tocava para mim.

Desembarque entre abraços de saudade, de choro e esperança. Chegadas de surpresa ou premeditadas. Reencontros felizes, emocionados.
Olhares luminosos num regresso que muitas vezes fora retardado.

De novo.... entre os tambores, o colorido da tradição, os cântigos sagrados e profanos em cortejos de fé e ardor. De novo, em busca de uma história repetida.

O rufar soou mais alto desta vez.
Os cânticos trespassaram todas as montanhas.
Os seres misticos, desceram à cidade respondendo ao chamamento.
As bruxas, impotentes, fugiram dos gemidos, dos gritos e dos sopros dos nossos corações... Ficaram as figuras sagradas a testemunhar um momento de magia.

Rodeámo-nos dos colares, com fitas de cores, café, drops, pão...
Apertámo-nos neles e em nós, e selámos o momento.
Todas as forças sobrenaturais conspiraram a nosso favor... e no final respiraram de alivio.
Partimos...
Ficou a magia da nossa presença...

26 junho 2008

Menina da Moda VI

O telefone do quarto anunciou a sua chegada.
O coração acelerou, as pernas tremeram. Deu um compasso de espera ao nervosismo e desceu.
Viu-o de costas à porta do hotel. Vestia umas calças pretas e um casaco de cabedal. Elegante, como sempre... misterioso, sensual.

Apeteceu-lhe correr para ele. Beijá-lo de uma só vez, sem pensar, sem falar. Mas caminhou segura, contendo todas as emoções que aprisionava dentro de si.

Ele voltou-se... cumprimentaram-se discretamente. Sempre assim foi. Podiam estar revoltos por dentro a desejar um abraço demorado, mas mantinham a distância de segurança, o muro que os separava dos sentimentos.
De tudo o que sentiam sem poderem sentir.

O jazz electrónico embalou-lhes a viagem e quebrou a frieza de um silêncio que foi apenas cortado pelo momento em que ele lhe deu a mão.

Jantaram num lugar discreto, escolhido a dedo por ele, que conhecia os gostos sofisticados da menina da moda. Ambiente tranquilo, embalado em tons pastel. Recantos com mesas de design... Muita arte nas paredes. Gastronomia light.
Olharam-se durante aquela hora e meia... falaram da vida, de Paris, de trabalho, de tudo e de nada ... meros panos de fundo que escondiam a verdade mais que evidente. Estavam felizes por se reverem... estavam “inteiros”, bonitos um para o outro... de corpo e alma ali naquele lugar.

Percorreram os Champs Elysées, enfeitados de montras dos protagonistas da moda mundial. Viajaram pelas ruas em deambulações, sem destino... Mera contemplação.
Paris é sítio de se ver à noite! Cidade das mil e uma luzes, dos tons quentes que alimentam corações, e neles, o mistério de uma noite que ainda estava a começar.

Subiram a Montmartre a tempo de ver, do alto da colina, a Torre Eiffel que, há hora marcada, se rodeia de estrelas fluorescentes numa dança intermitente que dura 15 minutos.
Estava cada vez mais frio e eles aconchegaram-se um no outro num abraço permanente.
Beijaram-se.
Um beijo que lhes veio da alma. Misto de revolta, desejo, saudade, raiva das barreiras e distância que lhes foram impostas.

Sem tempo, sem sentido, nem palavras e sem caminho para lá chegar, estavam no apartamento dele. Coração de Saint German de Prés. Terceiro andar, vista sobre a movida parisiense.
Despiram-se de um só fôlego. Os corpos uniram-se violentos. Desejosos, loucos no reencontro. Ao ritmo dos sons daquele casa... Ao ritmo do heavy metal que ele tocava.
Entraram a madrugada juntos, num só... ofegantes, apaixonados.
Adormeceram ali mesmo, no chão da sala, rodeados de fotografias gigantes dele em palco e das suas guitarras. Quatro ao todo. Fiéis companheiras de sempre e, hoje, testemunhas de um momento que ele haveria de recordar, mais tarde, muitas e muitas vezes.

18 junho 2008

Menina da Moda V

Aquela noite de Novembro estava incrivelmente fria.
Paris cobrira-se de uma manto de neblina muito ténue que deixava o horizonte filtrado por um véu transparente, leve, fluído, que caía sobre a cidade.

Da janela do seu quarto, a menina da moda ficou a contemplar o cenário e foi invadida por uma nostalgia que a transportou para as noites de Inverno passadas à lareira.
Tinha saudades dos cobertores de lã e do calor da familia reunida. Tinha saudades de casa, do lar em Portugal.

Deixou-se ficar envolta nas suas memórias que por um tempo a desviaram daquela ansiedade crónica que dela se apoderara desde que combinaram jantar esta noite.
Preparou-se com antecedência. Queria estar perfeita, bonita, bem vestida. Queria causar-lhe a impressão de que a vida continuava natural, preenchida de gente e de emoções.

Não seria mentira... mas também não era totalmente verdade.
Fazia parte da sua profissão conhecer pessoas novas a cada dia e viver entre mundos fascinantes: moda, música, arte, festas e espectáculos. Habituou-se à rotina da agenda social e era ágil em “contornar” as tentações e sair airosamente de todos os momentos desconcertantes.

Mas com ele tinha sido diferente. Com ele toda a sua natureza era contrariada. O orgulho, a altivez, a vaidade caíam por terra à sua presença. Transformava-se numa menina frágil, a quem faltava o jeito, as palavras... logo ela que tinha o dom de usar cada frase como uma arma poderosa. Mas com ele não.
Com ele a menina da moda era vulnerável, rendida ao olhar mais luminoso e penetrante que um dia conhecera... e ao sorriso melado que tantas vezes a desarmou e conseguiu o seu perdão.

E lá estava, uma vez mais, esperando por ele em Paris. Aguardando a sua presença de novo. E o pior... sentia-se estupidamente feliz.
Tinha esquecido o silêncio que ele impõs durante largas semanas... tinha esquecido que ele partira de Cabo Verde sem sequer se despedir, como se ela tivesse sido apenas mais uma... uma vulgar conquista de férias.

10 junho 2008

Menina da Moda IV

Conheceram-se em Julho.
Ele estava de regresso à terra natal para umas férias, depois de uma digressão europeia da sua banda de heavy metal.
Ela tinha acabado de chegar de uma viagem pelos Estados Unidos, onde passou dois meses a promover o novo trabalho de um jovem promissor da música criola.

Encontraram-se num bar da Praia. A "menina da moda" chegou em grande estilo, exibindo as roupas novas que comprara nos states.
Jeito confiante, sempre sorridente... rodeada de amigos.

Ele já lá estava, mais discreto.
Vestido de negro, contrastado com os piercings prateados que lhe adornavam o rosto sóbrio e bonito. Imponente, altivo. Olhar de lince... braços musculados e cobertos de tatuagens tribais.

Cruzaram muito mais do que um simples olhar de reconhecimento. Trocaram sinais, sorrisos, pequenos gestos envergonhados.
E falaram, finalmente. Ele chamou-a. Ela acedeu sem pensar duas vezes.
Estava rendida à sua imagem e viria a ficar desarmada com o diálogo que se seguia.

Ele era guitarrista de uma banda de heavy metal e actor de teatro. Vivia em França há doze anos. Mas já tinha passado por Londres, Amesterdão, Dakar, Austrália e India.
Saiu da Praia ainda criança. Correu o mundo atrás do pai, diplomata, e depois atrás do sonho de estudar e ensinar música.
Apaixonou-se pelo teatro, em Londres, e passou a dedicar-se também às artes de Moliére.

Ficaram horas a falar de viagens, de música, de representação. Trocaram experiências, sonhos, ambições. Tinham tanto em comum... Gostaram-se!
A "menina da moda" pode exercitar essa paixão que tem pelas conversas inteligentes e desafiantes. Tão raras entre os seus habituais "pretendentes".

Ele descobriu nela esse jeito encantador de ser feminina, sensual e ao mesmo tempo tão interessante.
O tempo passou, os amigos foram saindo discretamente, não sem antes darem conta do clima de encanto que os envolvia.

Falavam com um brilho no olhar e o entusiasmo de se terem descoberto. Mantinham silêncios estratégicos de contemplação... para logo a seguir retomarem as palavras por tempo indeterminado. Sem tédios, nem vulgaridades.

Ao fim da noite estavam sós. Ela levou-o à casa que a familia mantinha na Praia. O carro parou e não conseguiram evitar um beijo de despedida. Longo, intenso, doce... sem pecado, nem sentimentos de culpa.
Aquele beijo, o primeiro de tantos, era o único desfecho possível de uma noite que seria recordada por muito tempo.

09 junho 2008

Menina da Moda III

Acabava de chegar. Estava exausta. Doía-lhe o corpo todo depois daquela noite mal dormida no avião.
O som do filme de acção que entretinha os passageiros, o choro do bebé da cadeira atrás e o cheiro de uma refeição de bacalhau servida às três da manhã não a deixaram descansar mais do que meia hora seguida.
Aterrou de mau humor... mas o cheiro daquela cidade luminosa, monumental, fotográfica impregnou-lhe o espírito assim que saiu do aeroporto.
Estava em Paris... estava na cidade luz... na cidade onde ele vivia há mais de uma década.

Talvez por isso a menina da moda tenha esgotado todas as suas forças nesta parceria entre a sua empresa de agenciamento de artistas e esta, sediada em Paris, que se dedica à promoção e organização de espectáculos de culturas africanas.
Estava-lhe no sangue esta determinação em alcançar os objectivos através dos mais variados fins... Por impossíveis que pudessem parecer.
Para a menina da moda o impossivel era somente uma palavra que não fazia o menor sentido no seu jeito de agir.

Desta vez foi difícil, esteve quase a desistir, mas depois de muitos contactos e conversações tinha conseguido fechar negócio... e mais importante, tinha encontrado uma forma de se deslocar a Paris com frequência (obviamente por motivos profisisonais).

Instalou-se no hotel e a ansiedade quase que não a deixava poisar as malas que trouxe cheias de roupa, calçado e acessórios. Ligou-lhe de um só fôlego...
Desde que retomaram o contacto por mensagens, chamadas e Internet falavam com frequência. Ele sabia que ela ia chegar e também a aguardava.

Não se viam desde o tempo em que se conheceram.

Tinham passado quatro meses desde aquele "flirt" adolescente e fugaz na cidade da Praia. Quatro longos meses de silêncio, alternados com contactos diários, instântaneos e permanentes. Quatro meses de sentimentos confusos... e de memórias, recordações e saudades... O flirt do Verão passado tinha sido muito mais do que isso. Prolongara-se e aguardava por um reencontro.

Atendeu ao primeiro toque. Alguns segundos de conversas circunstanciais. E logo foram directos ao assunto. O único que realmente lhe interessava.
Combinaram um encontro, não sem antes mostrarem toda a altivez e indiferença característica desta relação telefónica que mantinham há várias semanas.
Ela estava ocupada com os seus negócios, tinha algumas visitas de cortesia a fazer... talvez só mais tarde se pudessem encontrar. Ele iria passar o dia nos ensaios da peça de teatro que estreava em breve. "Sim... talvez mais tarde".

As palavras contrariavam todos os seus desejos. "Quero ver-te agora, já!" era a frase que gritava em silêncio, que saía das entrelinhas daquele diálogo estudado.

Combinaram jantar, logo à noite. Ele viria buscá-la.

05 junho 2008

"Menina da moda" II


Pegou no telemóvel. Um iphone novinho em folha. Presente de um familiar da América.
Rodou-o nas mãos, vezes sem conta. Acedeu às mensagens, aos contactos, ao registo de chamadas...
Arrumou-o na sua mala "super chique"... voltou a tirá-lo. Irrequieta... pensativa... nervosa.

Não resistiu. Enviou-lhe um sms. Contrariou-se, negou as promessas de tanto tempo. As certezas inabaláveis.
Escreveu como se pecasse no acto. Certa de estar a errar. Mas incapaz de segurar essa ânsia de fazê-lo.
Texto telegráfico, abreviado. Poucas palavras, estudadas ao pormenor. Não queria que nenhuma deixasse fugir sentimentos, emoções, estados de espírito. Desses que ela tenta esconder, até de si mesma.
Somente uma frase... um alerta.

O toque denuncia: mensagem recebida.
Sem tempo para voltar a guardar o novo iPhone... A mensagem chegou como se estivesse ali, pronta a sair, desejosa de chegar à "menina da moda".
Era dele... claro que era dele. Passassem dias, semanas, meses de silêncio, mas ambos sabiam que um alerta seria suficiente para quebrar "os mimos", as "birras", o jeito de indiferença que para nada mais servia do que despertar uma raiva inflamável... Tão inflamável como a paixão que os unia.

A "menina da moda" leu mais de dez vezes a mensagem. Pouco conteúdo. Contava o gesto. A resposta pronta, precipitada.
Esperou algum tempo... não queria parecer impaciente.
Mas respondeu... ele devolveu de novo... e ficaram assim, neste "diálogo" diferido por muito tempo.

04 junho 2008

"Menina da Moda"


Para eles, mulher bonita, radiante, com charme a transbordar.
Para elas caprichosa, mimada, fútil, vaidosa...
Para os amigos, doce, verdadeira, sincera, alegre e sorridente

Ela, a "menina da moda" sabe de todos os adjectivos que ilustram a sua passagem. Conhece de cor as palavras, comentários, risos e sorrisos... Gosta que falem dela! Se gosta...
Bem ou mal.
O importante é falar.
O importante é que a sua chegada nunca seja anónima. E na partida... que fiquem falando... ao mesmo tempo que o rasto de inveja e sedução se afasta.. envolvido no perfume mais caro, mais "na moda".

Veste de colorido. Maquilha-se q.b. e irradia luz, alegria, sorrisos por tudo e por nada. Exuberante numas vezes, noutras discreta, comedida.
Bailarina quase sempre... está-lhe nas veias.

Ela é muitas personagens. Fascinantes, rebeldes, odiáveis, apaixonantes.
Segura de comandar o mundo, a vida. Certa de pisar caminhos sinuosos e deles sair em grande estilo.
Caminha com segurança... raciocina depressa e age com determinação.
Olhar de felino... Gosta de desafios... adora ser desafiada.
É presa e caçador.
Um perigo e ao mesmo tempo tão dócil, meiga, indefesa...

A "menina da moda" é tantas meninas numa só e nenhuma delas se desmente! Uma caixa de surpresas, raramente igual. Quase sempre imprevisível...

Misto de capricho, beleza, inteligência, maldade até... Tão genuína... tão incondenável no seu jeito de ser verdade...

 
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